08 maio 2018

em ondas sucessivas de gracias a la vida



Por estes dias, o primeiro lugar do índice de felicidade deve ter-se deslocado do Butão para a minha rua.

Aluguei o apartamento  minúsculo da Christina a um casal francês que está a trabalhar em Berlim durante uns meses, mas não consegue arranjar casa. Depois de um mês em dormitórios dos albergues de juventude, chegar a um quarto com casa de banho e um terraço a que podem chamar deles é uma antecâmara do paraíso. Ou o paraíso propriamente dito.
Passo por eles, e ou estão a jantar no terraço, ou a sair para ir dar um mergulho ao lago, ou simplesmente a gozar a vida. Tão felizes, que me fazem sentir contente por eles.

Fui dar uma volta aqui perto, e ao fotografar uma casa que bem podia ser a da Pipi das Meias Altas descobri que tinha uma raposa no jardim. Ficámos a olhar uma para a outra, até que ela começou a ir de jardim em jardim, e eu ao lado dela - mas sempre do meu lado das vedações. Até que cheguei a uma casa com o portão aberto e tratei de me pôr a andar disfarçadamente. A raposa também. Não sei qual de nós mais aliviada por não ter havido cenas.


No sábado, pedi ao meu vizinho se me emprestava o seu cortador de relva. Ele disse que mo trazia quando acabasse de o usar. Pouco depois, tocou à campainha para me perguntar onde devia pôr a relva cortada - já tinha feito o trabalho. A seguir, outra vizinha perguntou se me podia dar o vinho que os amigos lhes oferecem sem saber que eles não bebem, e veio trazer-me uma caixa cheia de garrafas. Arrumei o vinho e saí a correr para a Filarmonia. Queria ouvir a Lisa Batiashvili a tocar o concerto para violino de Sibelius com o Paavo Järvi, mas não tinha bilhete. Consegui estacionamento gratuito, e à porta uma senhora vendeu-me um bom bilhete por metade do preço.



A Lisa Batiashvili tocava em substituição da Janine Jansen. O que me lembrou uma resposta do Lang Lang a um miúdo que lhe perguntou como é que se faz para se tornar um pianista famoso: "trabalhas muito, e esperas até ao dia em que um pianista famoso apanhe uma gripe".

 
 
No fim do concerto fui buscar o Joachim ao aeroporto - estava a regressar de mais uma das suas idas e vindas intercontinentais, e vinha bem. A gente esquece-se muitas vezes que nada disto é garantido.

Melhor sábado que este, só ganhando o euromilhões. Mas preferi não jogar - não é preciso querer mesmo tudo-tudo-tudo.

No domingo passei horas e horas na horta. É como descer uma pista de ski: inteiramente concentrada naquilo que estou a fazer, esqueço tudo o mais. Cheguei ao fim do dia imunda, suada e muito satisfeita. Para grandes males, grandes remédios: atravessei o lago a nadar, consegui deixar lá quase toda a terra que se me prendera à pele e às unhas.

E à noite fui ver o filme "Berlim - Sinfonia de uma grande cidade", de Walther Ruttmann (1927), acompanhado ao vivo com a música original para orquestra, recriada a partir da versão para piano que chegou ao nosso tempo. Um filme vertiginoso, onde aparece várias vezes o vórtice que veremos anos mais tarde no cartaz do Vertigo de Hitchkock. O filme retrata um dia em Berlim, com rápida sequência de imagens e inúmeras cenas de comboios (rodas, carris, agulhas, e uma menção particular para as cenas de comboios que se cruzam uns sobre os outros) e de máquinas em funcionamento. Mostra uma Berlim muito diferente daquela em que vivo: antes dos nazis, antes da destruição, mas também muito mais agitada do que é hoje.

Aviso a quem está em Berlim, ou tem amigos por cá: o filme passa outra vez hoje no Babylon, com bastante ambiente dos anos 20 - muitas pessoas vão vestidas à época, a organista russa do Babylon vai tocando no famoso órgão de cinema enquanto as pessoas se vão acomodando, e há um show em palco com dançarinas de Charleston, canções berlinenses dos anos vinte, projecção de um noticiário da época com comentários divertidos do animador. Só depois começa o filme, acompanhado ao vivo pela orquestra.

Fotos do site do próprio cinema:


 

E para que ninguém se queixe de insularidade, aqui deixo o filme completo, com a música de Edmund Meisel reconstruída a partir da versão para piano. 



1 comentário:

Marta Moura disse...

Preciso de uns vizinhos iguais aos teus. :)