29 agosto 2017

apontamentos de San Francisco (2)

Stern Grove. Último concerto da 80ª temporada consecutiva. Quando cá morávamos, era o programa habitual nos domingos de verão: preparar o farnel, concerto, e fogueira ao fim da tarde em Ocean Beach. Voltar a San Francisco é sempre voltar às recordações desses dois anos de (de certo modo) férias.
Ontem era dia de Mavis Staples, veterana do Rhythm and Blues. Ali estava ela, no fim de semana em que a cidade se agitou com a presença de white supremacists - e falava de amor, de sermos capazes de sorrir uns aos outros, de falar uns com os outros. "Be kind" e "there must be love shared among us", entoava ela. Ela, que participou nas marchas dos anos 60 ao lado de Martin Luther King, que esteve na marcha de Selma para Montgomery. "Alguns de nós foram presos, oh yeah!, oh yeah!, e ficaram algum tempo na prisão, oh, yes, they did!, e depois, sabem o que acontecia? Saíam da prisão, e recomeçavam tudo de novo, ooooh, yeaaaah!"
"I'm a testimony! I'm a testimony! I'm a testimony", cantava ela.
Mavis Staples sabe dominar o público, "take them there". Levou-me a uma tarde inesquecível.

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Jantar cedo, às seis da tarde. O filho dos meus amigos e a mulher estavam a sair para o Burning Man. Prepararam toda a tralha necessária para a semana, penduraram duas bicicletas atrás, por volta das dez da noite despediram-se e saíram num carro velho que fazia ruídos extremamente estranhos. Passados 40 minutos, ligaram a dizer que estavam parados na auto-estrada, mas que não corriam riscos porque se tinham escondido nos arbustos da berma. Depois de muitas mensagens e muita confusão - como por exemplo uma patrulha da polícia parar junto ao carro avariado e os dois saírem do esconderijo de mãos no ar, cheios de medo de levar um tiro devido a algum mal-entendido - saí com a minha amiga no carro dela, para irmos levar o seu cartão de AAA ao motorista do reboque. Ao passar por Richmond, a minha amiga repetia "que sorte não terem tido a avaria aqui, é um sítio com muita violência". Percebi finalmente porque é que eles se tinham escondido nos arbustos. Até então, pensava que tinham saído da auto-estrada para não serem atropelados por algum condutor distraído. Lá chegadas, desenhámos novo plano: mudámos a tralha toda para o nosso carro, o casal continuou caminho para o Burning Man, e nós voltámos as duas no camião do reboque. Bay Bridge e San Francisco by night - às duas da manhã, num camião barulhento.
O condutor falou da sua vida, do perigo de ser atropelado ou atacado na auto-estrada. Todos os dias se despede do filho dizendo-lhe "I love you". Se lhe acontecer alguma coisa, é essa a frase que fica com o filho. O rapaz tem 17 anos, e vai entrar agora no exército. Mas só fica lá até ter arranjado os dentes e conseguido maneira de tirar um curso superior.
Fazer serviço militar para poder tratar os dentes e estudar: eu a ouvir e a pensar "minha rica Europa!"

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Ontem à noite um amigo que mora em Berkeley trouxe-me a casa. Por lorpice, disse-lhe o caminho mais longo e com mais stops de todos: Fillmore. Mas a conversa estava óptima (a conversa que preenche o caminho é o melhor dos destinos). Ao chegarmos, ele reparou no nevoeiro, e ficou encantado. Têm pouco nevoeiro em Berkeley, já tinha saudades.
Saudades do nevoeiro! Amar esta cidade.

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Esta manhã fomos passear em Buena Vista e vimos um coiote dos grandes.
Não me impressionei, claro: quem vive numa rua berlinense onde passam frequentemente raposas, e tem um raposinho que corre atrás das primas a ladrar de maneira a acordar a rua toda...
(A propósito: a Christina disse que o Fox está tristíssimo, cheio de saudades de nós.)


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