28 junho 2017

adeus mundo cruel que é hoje que vou de vela

Devo estar cansada de viver, porque só mesmo isso explica que me atreva a escrever contra as marés de fúria das redes sociais. Volta e meia, lá vou eu outra vez, e ai!, adeus mundo cruel, gostei muito deste bocadinho. 

Recentemente, foi a propósito de uma crónica de António Lobo Antunes sobre Dinis Machado, e da resposta da filha deste, Rita Machado


Deve ser defeito meu (pelo qual dou muitas graças), mas não consigo ver na crónica de Lobo Antunes qualquer maldade em relação a Dinis Machado e a António Marceneiro. Não sabendo nada da vida dos dois, a imagem deles nesta crónica é a de seres humanos na sua vertente de sofrimento, de dúvida, de desamparo. Uns tipos simpáticos, concluo eu, que já não tenho idade para acreditar em super-homens e pais-natal. 


Victor Gonçalves escreveu a propósito um texto muito interessante: Lobo Antunes e Dinis Machado, subsídios para mitigar uma possível polémica.

Recomendo a leitura do post completo, e copio para aqui o final:

Rita Machado, compreendo-te, admiro até a defesa arriscada e comovente que fazes do teu pai (um escritor de quem gosto muito), mas Lobo Antunes está acima da calúnia, ele cria mundos, tem esse enorme talento, e às vezes salpica de lodo barrento uma ou outra personagem, efeitos colaterais mínimos que nem Deus, tudo o leva a crer, conseguiu evitar.

Gosto muito deste final, mas não concordo inteiramente com ele. Quando leio Lobo Antunes, nunca o vejo a salpicar de lodo barrento uma ou outra personagem. O que vejo é o arqueólogo a atravessar a terra e o lodo para revelar ao mundo a beleza do que estava escondido. Nas crónicas em que fala da família, dos amigos, dos conhecidos, expõe seres humanos no esplendor da sua verdade - mesmo se feita de imperfeição -, sem lhes atingir a dignidade.

Criticam-me uma certa incapacidade de pensar mal das pessoas. Há até quem me chame ingénua. No caso, por não ser capaz de ver que Lobo Antunes é um sei-lá-o-quê, e por não me dar conta do desgraçado retrato que faz de Dinis Machado.


Até podem ter razão. E que me interessa? Também eu posso criar mundos ao dar o benefício da dúvida e ao fazer a escolha de não me concentrar no lado sombrio das pessoas. Prefiro o poder do Criador na intuição de quem escreveu o Génesis: o que sabe que na lama se esconde o milagre de um ser humano. 


(Mas claro que toda a regra tem excepção. Não abusem... ;) )


2 comentários:

jj.amarante disse...

Na Física existiam mecanismos explicativos de fenómenos em que apareciam entidades com significados físicos muito diferentes mas em que os dois mecanismos levavam à mesma conclusão. Constatava-se que as contas eram exactamente as mesmas mas o significado de cada parcela era muito diferente.

Na vida real isso também acontece, por vezes é possível explicar um fenómeno basendo-nos na bondade, outras vezes na maldade mas chegando a uma conclusão única. Ambos os métodos são válidos para chegar à conclusão e a escolha do caminho é uma questão de preferência pessoal.

Nem sempre existe esta liberdade de escolha ma muitas vezes ela é possível.

calita disse...

Mais uma vez martirizo-me por não ter conseguido ser boa aluna a Físico-química. Cada vez que leio teorias da Física fico fascinada e agora este comentário, sobretudo a parte do "por vezes é possível explicar um fenómeno basendo-nos na bondade, outras vezes na maldade mas chegando a uma conclusão única.", vem provar que devia ter tentado ir mais longe. É mesmo isso.
(Já agora, Helena, aguardo ansiosamente post sobre o peido do Salvador Sobral)