18 maio 2017

viagem a um país que já não existe (7)





Aconteceu de noite numa pequena aldeia, há coisa de cem anos: uma jovem mulher calcorreou silenciosamente as ruas de pedra, entrou na casa do poço, levantou a tampa e atirou-se para o abismo de 70 metros que os aldeãos tinham cavado para ter água. 
Nunca mais ninguém se serviu daquele poço.

A mulher estava grávida, o pai da criança não quis casar com ela. Imagino o seu desespero, a pressão social, a vergonha, a sensação de claustrofobia. Imagino com que estado de espírito terá passado pelos caminhos ladeados de soberbas árvores, pelos campos bem tratados, as ruas limpas, as casas da gente abastada no centro da aldeia. E quase sorrio ao pensar no preço que fez pagar à comunidade: roubaram-lhe a dignidade, roubou-lhes a água.
 





(Esta calçada foi feita por portugueses. A população queria asfalto, mas os arquitectos urbanísticos disseram que o centro histórico tinha de ter um pavimento mais nobre, e pediram a quem sabe. Portugueses. Está bonito e muito bem feito. Mas quando neva ou há gelo, a velhinha de oitenta anos com quem falei não sai de casa. Tem demasiado medo de escorregar nas pedras lisas.)





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