17 maio 2017

viagem a um país que já não existe (3)




Contaram-me assim:

O socialismo fez um esforço de optimização do uso da terra. As pessoas não foram expropriadas, mas deixaram de poder administrar as suas propriedades. Estas eram reagrupadas em unidades de produção entregues aos colectivos que faziam a exploração agrícola.
Eu era o filho mais novo, vinte anos mais novo que os outros (um acidente de cálculo: a minha mãe pensava que já não corria o risco de engravidar) e o meu pai queria passar para mim as propriedades que tinha no papel. Quando se sentiu a envelhecer mostrou-me nestas encostas os limites do que era dele, um talhão aqui, um talhão acolá. 
Depois da reunificação, o Freiherr da nossa região quis começar a produzir vinho, e a autarquia avisou-me que iam trocar um dos meus talhões por outro, noutro sítio, de modo a que a propriedade do nobre ficasse contínua, sem o meu talhão no meio. Fiquei furioso. Então fazem a reunificação para continuar tudo igual, eles põem e dispõem, e se lhes apetecer dão-me uma porcaria qualquer em troca de um belo talhão? Fui falar com eles. Responderam-me que era preciso criar empresas competitivas, sem custos acrescidos devido a um registo matricial ineficiente. Perguntei-lhes:
- Neste país todos os cidadãos são iguais perante a lei? Tratam todos da mesma maneira?
- Sim, claro.
- Então também quero começar a produzir vinho. Troquem-me os talhões que tenho por um terreno contínuo.
- Hum... Tem de apresentar um projecto. Só depois de apresentar o projecto é que podemos tomar uma decisão.
Peguei numa folha de papel e numa caneta, e escrevi: "Eu, Fulano de Tal, tenciono iniciar uma unidade de produção de vinho da região de Saale-Unstrut. Os meus terrenos são os seguintes: A, B, C, D. Peço que mos troquem por um terreno contínuo do mesmo valor, tal como estão a fazer com o meu vizinho, o Freiherr von Sicrano, uma vez que neste país todos os cidadão são iguais perante a lei."
Fui para casa, pensando que a resposta levaria anos e anos, mas comecei logo a ler e a informar-me sobre a produção de vinho, porque pouco sabia. Algum tempo depois recebi uma carta a informar sobre o terreno que me queriam atribuir. Era um terreno muito bom, foram muito generosos.  
E foi assim que me tornei viticultor.
Os meus irmãos aceitaram a decisão do meu pai de me dar todos os terrenos, e até me ajudaram a pagar as primeiras despesas.



 




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