25 maio 2017

a minha vida dava um filme

A minha vida dava um filme. 
 
Olhem-me só este dia: fui ver a exposição fabulosa que está no Barberini em Potsdam. Voltei para casa, e no comboio tirei fotografias fantásticas. "Fabulosa", "fantástica"... suspeito que ando a ler demasiados tweets do Trump - estou a ficar contaminada. É triste.
Como fiquei demasiado tempo em Potsdam (isto não é uma queixa), a seguir tive de desatar a trabalhar como uma desesperada, correndo atrás do atraso. O trabalho até estava a correr bem, e ia bem lançada para o continuar pelo serão adiante, quando tocaram à campainha. Eram os meus vizinhos, de garrafa de vinho e travessas de sobremesa na mão. Tínhamos reunião na minha casa, eu tinha de dar o jantar, e pensei que era só no próximo mês. Pedi-lhes que voltassem daí a 15 minutos e desenrasquei tão bem que já merecia uma medalha do 10 Junho, só por este sinal de extrema portugalidade: quando regressaram já não havia tábua de passar a ferro no meio da sala, nem pilhas de roupa passada nem pilhas de roupa por passar, nem caixotes que o correio trouxe ontem e estavam à espera de serem arrumados, nem louça suja na cozinha. E a mesa estava posta, com várias qualidades de queijo, pão, fruta, bebidas. Não sei o que vamos comer no feriado, mas um problema de cada vez.
A reunião correu muito bem. Até que a vizinha que tinha deixado os miúdos a dormir em casa se levantou e disse "tenho mesmo de ir embora agora". Logo a seguir voltou, tocou à campainha e pediu que o marido dela fosse imediatamente ver, porque havia um homem na casa deles. O marido voou pelas escadas. Nós fomos atrás, mas mais devagar. Um maluco tinha-se instalado no pátio em frente à porta dele, tinha feito uma fogueirinha, acendido umas velas, posto o computador de brincar a carregar, e mais uns desmandos do género. O meu vizinho gritou-lhe: "saia já daí!" e o outro respondeu "this is my back yard". O dono da casa ia para chegar a vias de facto, mas algo na cara do outro o fez perceber que era melhor não. Então foi buscar uma pá, e o outro pôs-se a andar. O meu vizinho foi atrás dele, gritava-lhe "desaparece!" e logo a seguir batia com a pá no asfalto e gritava "volta aqui!"
O outro provavelmente não sabia a qual das ordens obedecer, mas percebia muito bem a retórica da pá a bater na rua, e fugia cada vez mais depressa.
Logo a seguir chegou a polícia. Íamos começar a contar o sucedido, todos muito agitados, mas eles preferiram ir primeiro em busca do homem e saber da história depois. O nosso vizinho foi com eles, e ouviu a sua própria história a ser repetida entre todos os carros patrulha da zona. Daí a cinco minutos tinham apanhado o homem.
Entretanto nós continuávamos no passeio, e a vizinha da frente aproveitou para contar daquela vez que teve de regressar a casa de manhã e encontrou dois polícias e um ladrão no seu jardim. Pensando que era uma cena do filme que estavam a fazer na rua nessa semana foi perguntar a uma senhora da equipa quando é que terminavam as filmagens para poder entrar em casa.
- Não estamos a filmar, disse a outra.
- Mas então, aqueles dois polícias ali?
- No nosso filme não há polícias.
Desconfiada, dirigiu-se à sua casa. Um dos polícias veio falar com ela.
- O senhor é um polícia de verdade?
- Sou sim senhora, disse ele, e riu-se.
Ela achou estranho um polícia a rir-se daquela maneira, e perguntou:
- Tem a certeza?
- Tenho. - e riu-se ainda mais.
- Então isso quer dizer que aquele homem ali é um ladrão de verdade?
Era. Ou melhor: não era bem ladrão. Era um tipo que falava russo e não batia muito bem.
Como o de hoje: era lituano - ou talvez não, porque os papéis dele parece que eram falsos - e não batia muito bem.
Parece que a minha rua atrai pessoas que não batem muito bem. (Ai! Não disse nada! Adiante.)
Voltei para casa. Era uma da manhã, e eu estava finalmente sentada à mesa com uns amigos que chegaram entretanto para passar uns dias connosco. Tocaram à campainha. Era o vizinho que vinha buscar as coisas que deixara quando saiu a correr. Sentou-se connosco. Perguntei-lhe se queria um Porto para acalmar.
- Sim, se for dose dupla!, disse ele.
Dei-lhe o vinho, enchi outro copo para a mulher, e mandei-o para casa.
Agora são duas e meia da manhã e tenho de ir dormir a correr, porque daqui a bocadinho saio para ir ao centro ouvir o Obama.
 
A minha vida dava três filmes num dia só. 
 
 

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