Páginas

13 maio 2016

prémio "literacia no jornalismo" vai para a jornalista Ana Dias Cordeiro

Esta semana o prémio "literacia no jornalismo" vai para a jornalista Ana Dias Cordeiro, cujo artigo no Público mostra que foi uma das poucas pessoas na comunicação social, se não a única, que leu e entendeu o texto da Fernanda Câncio na revista Visão.

Dei uma vista de olhos pelo que os jornais online escrevem sobre o caso, e é desanimador: esta gente parece estar condicionada para interpretar o que lê seguindo um esquema de drama, intriga, traição, sangue a correr na calçada.

Se não fosse tão grave, era uma boa anedota: a Fernanda Câncio escreveu um retrato assustador do que se está a passar na Justiça e no Estado de Direito em Portugal, e o pessoal do jornalismo não se deu conta.

Bem sei que pois é, e tal, a vida está difícil, a crise tramou isto tudo, o jornal tem de vender, a espada de Dâmocles pende sobre o pescoço de todos. O nome "Sócrates" vende imenso, há que repeti-lo o mais possível. E há que retirar de um texto aquilo que rende mais, há que explorar ao máximo a intimidade de um casal famoso, há que usar os detalhes que o público - o ganha-pão dos jornais - quer ler. Ou isso, ou inventar uma boa impressora de dinheiro.

Por outro lado, talvez seja demais esperar que os outros jornalistas entendam, se o próprio director da Visão parece não ter lido atentamente o que publicou. Antes de pôr a revista nas bancas, já anunciava que este texto é "uma viagem a uma parte do processo, contada na primeira pessoa, vivida e sentida por um dos envolvidos mas que é uma preciosa ajuda para a perceber parte do que está em causa no Processo Marquês", e deixou que trocassem o título “Esclarecimento Público: O Processo Marquês e eu” da Fernanda Câncio para um muitíssimo mais rentável "Sócrates, o processo Marquês e eu", acrescentando o subtítulo "Exclusivo / As revelações de Fernanda Câncio".

Moral da história: ninguém diga "desta água não beberei" - a Visão lançou o isco para apanhar público, e os jornalistas morderam-no com o entusiasmo de quem juntou a fome à vontade de comer.

Se me aceitassem uma sugestão, era esta: senhores jornalistas, mudem de vida e tentem ser felizes a fazer aquilo para que têm realmente jeito. Escrevam episódios de telenovela. Assim como assim, rende mais que o jornalismo sério, e não é preciso meter os princípios deontológicos e a mais elementar literacia no bolso de trás das calças, aquele que fica mais perto do, enfim, vocês sabem.

---

E afinal, de que fala a Fernanda Câncio na Visão? Quem não quiser comprar a revista (e não merece - quem troca “Esclarecimento Público: O Processo Marquês e eu” para um muitíssimo mais rentável "Sócrates, o processo Marquês e eu" não merece que lhe comprem a revista), pode ler este resumo no Público. Obrigada, Ana Dias Cordeiro.

ADENDA: dizem-me que não é possível seguir os links dos blogues para o Público. Quem quiser ler o artigo, pode procurar no Google por "Ana Dias Cordeiro" e o título: Fernanda Câncio espera de uma justiça “cúmplice de crimes” que “reponha a verdade”


2 comentários: