16 março 2014

o 71º é alemão


Ao ler uma entrevista que Helmut Schmidt deu ao jornal Bild, por ocasião do seu 95º aniversário, suspeito que o manifesto dos 70 tem na Alemanha o seu 71º subscritor: um antigo chanceler que já se pode dar ao luxo de dizer a sua opinião em frases claras. Em Dezembro passado, quando festejava os seus 95 anos, deu várias entrevistas (como esta, em inglês). À pergunta sobre o presente que gostaria de receber nesse aniversário, respondeu:

"Desejo que os alemães entendam que a União Europeia tem de ser concluída, e que nós não nos podemos elevar acima dela."

Traduzo (à pressa, aviso já) parte da entrevista no jornal Bild, porque se dirige a um público-alvo importantíssimo: pessoas dos níveis sociais mais baixos e menor acesso à Educação, que gostam de jornais com letras grandes e frases simples.

BILD: Parece-lhe que o contrato da coligação está bem feito?

Schmidt: Parto do princípio que acordos como estes são erróneos. Com o tempo, a realidade revela-se de outra forma, independentemente do que foi debatido em 2013. No meu tempo não se faziam estes acordos.


BILD: Sente a falta do FDP no Parlamento?

Schmidt: Não. Os princípios básicos do liberalismo na Alemanha - liberdade e tolerância - já foram há muito assimilados por outros partidos (CDU, SPD, e também os Verdes). E um FDP que, pelo seu lado, afunilou na direcção do liberalismo económico, não é um partido necessário.


BILD: Teme, como muitos outros socialistas, que o SPD possa voltar a ser prejudicado por uma coligação com o CDU?

Schmidt: Para o futuro do país, na actual constelação, não vejo outra solução senão esta.


BILD: Quais são os problemas que a grande coligação terá de enfrentar?

Schmidt: Para mim, é a crise da UE e das suas instituições. Infelizmente, este tema praticamente não foi falado no acordo da coligação. Mas a realidade é que, no próximo ano, a crise da UE vai ser um problema central, e vai relegar os outros temas para segundo plano. Mal o governo entre em funções, os nossos vizinhos europeus vão fazer uma enorme pressão sobre a Alemanha. O mais tardar, na primavera de 2014.


BILD: Vão exigir dinheiro para os países em crise, como Grécia, Chipre, Portugal, Espanha?

Schmidt: Sim. A Europa precisa de uma Conferência da Dívida como a que se realizou em Londres em 1953. Vamos ter de reduzir as dívidas de alguns países, alongar prazos de crédito, baixar as taxas de juro. Todos esses temas vão estar na ordem do dia. E vão ocupar o espaço dos temas debatidos no acordo da coligação.


BILD: Isso significa que a temida redução da dívida - por exemplo, da dívida grega - vai acontecer. E a Alemanha vai ter de pagar?

Schmidt: Sim. De outro modo, não vamos conseguir salvar a economia grega. Depois da Conferência de Londres nós, os alemães, também andámos a pagar as dívidas até 2011. E nem sequer demos por isso...


BILD: No próximo ano há eleições europeias. A UE precisa de reformas?

Schmidt: A UE precisa de instituições que funcionem. De momento, nada funciona. Nem o Parlamento, nem o Presidente da Comissão, nem o Presidente do Conselho nem a Delegada para os Assuntos Externos. O único que, de momento, aguenta a UE viva, é o chefe do BCE, Draghi. Sem ele, não havia nada. O que não admira, se olharmos para 28 comissários que se bloqueiam mutuamente.


BILD: Vê alguma hipótese de tornar os acordos europeus mais eficientes?

Schmidt: Não, se continuarmos a insistir na tendência de ratificar os acordos por referendo. Há insegurança nos povos, devido às pseudo-actividades da Comissão Europeia. As pessoas não entendem o que se está a passar. Precisam de políticos competentes, e não de referendos ou votos directos. O mesmo se vê actualmente de forma muito clara na América.  


BILD: Foi correcto que a SPD tenha abdicado do cargo de ministro das Finanças?

Schmidt: Depende de quem temos para ocupar esse cargo. Só há um par de pessoas, entre os políticos, que são capazes de entender o que se passa no mundo financeiro. Wolfgang Schäuble e Peer Steinbrück fazem parte desse grupo.


BILD: E Sigmar Gabriel?

Schmidt: Não seria a minha primeira escolha para ministro das Finanças. Mas é, sem dúvida, uma pessoa com capacidades para se desenvolver.


BILD: No programa do governo há um extraordinário número de pontos ligados às reformas - de um modo geral aumentos e alargamentos. É possível financiar tudo isto?

Schmidt: Por enquanto sim, mas a longo prazo não. Quando nasci, em 1918, a esperança média de vida era 60 anos. Hoje está em 80 anos, e vai aumentar. Isso significa que não podemos continuar a ir para a reforma com 58 ou 62 anos. Vamos ter de trabalhar até aos 67, 68, 70 anos. Vamos precisar de escolas profissionais para que operários da construção civil com 50 anos, cujo corpo não permite mais fazer esse tipo de trabalho, mas ainda são demasiado jovens para a reforma, comecem uma nova carreira com computadores, por exemplo. É uma alteração profunda no mundo profissional, que vamos ter de levar a cabo. E os Estados Sociais europeus vão ter de saber lidar com este desafio.


BILD: Este também é um projecto para a grande coligação.

Schmidt: Com certeza. Mas esta mudança vai precisar de trinta anos, e não de quatro. No entanto, ainda não encontrei no acordo da coligação nada que vá nessa direcção.  


2 comentários:

Gi disse...

Finalmente! Um político lembra-se que o aumento da idade da reforma também é um problema para pessoas com actividade predominantemente física.

Mas dar-lhes cursos para trabalharem com computadores, aos 50 e tal anos? Talvez na Alemanha os pedreiros e as mulheres de limpeza sejam diferentes dos nossos...

Helena Araújo disse...

É que já tem 95 anos, sabe como elas mordem...
Parece-me que ele estava a dar um mero exemplo. Tudo isso ainda está por estudar e começar a ser realizado.