31 dezembro 2011

Taizé em Berlim (4)

Que será que deitam naquelas músicas, que me agarra por dentro e me toca fibras do coração que nenhuma outra música alcança? Foi ontem, num dos pavilhões da Feira: sentada no chão, entre milhares de pessoas, à minha frente dois casais italianos a discutir com afinco durante a oração, atrás um restolhar de mochilas e papéis, ao longe uma criança a chorar, e eu alheada de tudo, a passear devagarinho por dentro de mim.

Os pavilhões estão decorados com a habitual dignidade e simplicidade de meios: a parede à frente coberta de panos laranja, a cor laranja também projectada sobre os largos pilares centrais, onde se vê ainda os contornos de esculturas, desenhos e símbolos conhecidos. Laranja: o ouro dos pobres. Perto do lugar onde os irmãos se sentam há uma cópia de uma escultura do séc. XIV, da região de Bodensee. Hei-de ir lá fotografá-la, para mostrar aqui como é bonita: Jesus e o apóstolo João, com os corpos juntos em sinal de profundo entendimento e grande amizade. Do outro lado, uma espécie de réplica: o famoso ícone de Jesus e o seu amigo, o abade Mena. Jesus e cada um dos seus amigos, Jesus que pousa a mão sobre o meu ombro.




Na sua reflexão, lida em inglês e alemão perante representantes de várias igrejas cristãs e políticos importantes alemães, o irmão Alois apelou para uma Europa solidária e aberta, referiu a crise que a Europa atravessa, afirmando que a sua solução só pode passar pela solidariedade, e que a economia não se pode sobrepor ao respeito pela dignidade humana. Leu a mensagem de Ban Ki-moon ("vocês têm um papel crucial para operar mudanças políticas e sociais, mas lembrem-se que estar conectado não é o mesmo que estar unido - estar conectado depende da tecnologia, e estar unido depende da solidariedade"). Chamou escândalo à separação das Igrejas, e escândalo maior todos parecerem conviver pacificamente com essa situação. E disse-o perante 30.000 pessoas, a maior parte deles jovens, e até os casais italianos à minha frente pararam de discutir para escutar.
Neste link podem ouvir tudo - a partir do minuto 47 começa a leitura do seu texto.
Depois falou-se dos encontros do próximo ano: vai haver um no Ruanda, terra martirizada que precisa do nosso apoio, dizia ele, e eu pensava na missão dos cristãos: ir ao encontro dos mais pobres, do que mais precisam. O encontro de fim de ano vai ser em Roma. Pouco faltou para os italianos se atirarem ao ar de alegria.



Depois da oração muitas pessoas foram pousar a cabeça na cruz deitada no centro do pavilhão, outros foram pedir a benção ao irmão Alois. Este sorria a todos, encostava o ouvido na direcção de alguns para melhor ouvir o que diziam, respondia com um olhar vivo e sereno, e as suas mãos desenhavam gestos largos no ar.

Fomos embora. O Joachim saiu com os nossos "filhos" para o Badeschiff, eu fui com as nossas "filhas" ao supermercado russo, onde comprámos bolachas e caviar de salmão (estava a 13 euros o meio quilo, já não via esse preço desde o tempo do meu Russian network em Weimar). Em casa, de volta do pão e do caviar russo, ficámos na conversa e na risota até depois da meia-noite. Elas não gostaram do caviar, mas não faz mal: o Matthias chega na próxima terça-feira, e adora aquelas bolinhas laranja a estalar entre os dentes.

Taizé em Berlim (3)

Antes do fim do ano, o Speedy Gonzalez deu um jeitinho para traduzir apressadamente (já o conhecem) (mas desta vez é ainda mais apressadamente que de costume) o artigo de jornal onde se falava da aventura em que nos metemos esta semana:


O apartamento comunitário de Taizé

Família de Charlottenburg acolhe oito participantes do encontro de jovens cristãos

Helena Araújo devia estar sentada em frente ao computador. O prazo para entrega da tradução que tem em mãos está a chegar ao fim. Mas, em vez disso, ao meio-dia desta quarta-feira está na cozinha em frente a uma panela enorme com água, para fazer spaghetti. Na sala de jantar há oito convidados esfomeados, que chegaram às seis da manhã num autocarro vindo de Portugal. Ficarão em Berlim até ao dia 1 de Janeiro a cantar, meditar e a rezar, a conhecer pessoas e, naturalmente, também a cidade. Os oito são fãs da comunidade cristã de Taizé, com sede em Borgonha, na França, que organiza todos os anos um grande festival de juventude numa cidade europeia. Desta vez realiza-se em Berlim: a cidade recebe 30.000 jovens de todo o mundo.
"Jovem" entendido em sentido lato: os oito homens e mulheres  para quem a Helena Araújo está a fazer massa andam pelos trinta. Há três horas estavam a bater à porta do casal, com as suas mochilas, os colchões, os sacos-cama - agora poder-se-ia pensar que fazem parte da família. Um deles está na cozinha a cortar lascas de presunto para a entrada, os restantes estão à volta da mesa a conversar com o "pai". A sala de estar foi transformada num pequeno acampamento, tal como o quarto do filho, que neste momento se encontra nos EUA. O apartamento antigo não é propriamente pequeno, e tem três quartos de banho. No entanto, não é óbvio que alguém receba oito pessoas em casa, lhes prepare o pequeno-almoço e ao fim do dia talvez ainda uma bebida para a noite. Só na semana passada é que o casal tomou a decisão de oferecer a sua casa, quando soube que ainda havia 3.000 pessoas sem alojamento. Disseram na paróquia: "onde há oito, também pode haver dezasseis". Pode ser que nos próximos dias o espaço se torne um pouco mais apertado.
O casal é católico. Desde a mais tenra idade que os filhos começaram a fazer com os pais estadias de uma semana em Taizé. Gostam da simplicidade da vida nesse lugar, dos encontros com pessoas que vêm de todo o mundo, da atmosfera especialmente pacífica e espiritual. Os filhos cresceram, e continuaram a levá-los a Taizé, para lhes transmitirem valores cristãos. "É bom que aprendam que há mais mundos para além de si próprios e dos seus interesses", diz o pai. Hoje, os filhos têm 15 e 17 anos, e vão a Taizé com os seus grupos de jovens. Além disso, a filha está a participar na organização deste encontro em Berlim.
Foi por acaso que estes oito portugueses vieram parar à casa da Helena Araújo. Ela é portuguesa, e os oito trazem-lhe um bocadinho da pátria comum. "A princípio, pensei que bastava preparar-lhes o pequeno-almoço, e eles depois tratavam de si próprios", diz ela. Poucas horas antes, ao fim da tarde do dia anterior, a família regressara das férias de Natal. Quando às oito e meia da manhã a filha avisou que o grupo já estava em Berlim, a mãe estremeceu. "Mas agora estou muito satisfeita por termos decidido recebê-los", diz Helena Araújo, e pousa a travessa fumegante na mesa. Ri e faz piadas com os convidados, depois do almoço quer ir mostrar-lhes Berlim, antes do início do festival. Parece que a tradução vai ter de esperar um pouco mais. 

[Nota da tradutora: hehehe, esta notícia está desactualizada - já acabei a tradução!, hehehe]

Show Me The Place

Ainda é tempo de Natal, diz-me um amigo no facebook. E acrescenta: tempo de revelações, até à Epifania (nós celebramo-lo a 8 de Janeiro).

Tempo de revelações. 
Mas que revelação pode haver para quem não anda à procura? E que perguntas nos põem a caminho de uma revelação? 

A propósito, transcrevo aqui o texto que uma amiga publicou no seu mural de facebook, falando do Show Me The Place de Leonard Cohen (obrigada, Ana Paula!):


Partilhei ontem aqui uma belíssima canção-poema de Leonard Cohen "Show me the place", cuja História subjacente surge por assim dizer incompleta...Tive por isso mesmo vontade de a continuar, reescrevendo-a segundo aquela que acredito ser a mais profunda tradição cristã, e partilhando essa proposta com alguns dos meus amigos. Reza assim a última estrofe de Cohen:


"show me the place, help me roll away the stone
show me the place, i can't move this thing alone
show me the place where the word became a man
show me the place where the suffering began"


Continuaria assim (em português ou noutra língua...):


Mostra o lugar em mim onde a Palavra se tornou carne
Mostra o lugar em mim onde deixei de ser servo para ser criatura
Mostra o lugar em mim onde nunca estou só
Mostra o lugar em mim onde nasce a Liberdade na relação com o Outro


Mostra o lugar em mim onde acontece Natal!

30 dezembro 2011

Taizé em Berlim (2)



Ontem ao fim da tarde os vizinhos do segundo andar tocaram à nossa campainha. Tinham lido no jornal que temos aqui oito portugueses, e traziam duas garrafas de vinho alemão para os nossos hóspedes e muitos elogios para nós (até disseram à minha sogra que eu sou a Madre Teresa do prédio, o que é um exagero do tamanho do mundo - mas faz pensar no que pode ser a solidão numa cidade grande, quando dizer "bom dia" com um sorriso rasgado, e ter um minuto para ficar a conversar nas escadas já é considerado como uma grande obra de caridade). Também vinham oferecer louça, caso fosse preciso, e até o a seu quarto de hóspedes. Agradeci, mas deixei bem claro que todos os oito são meus, e que não dispenso nenhum. Para os consolar, demos-lhes umas lascas de presunto e um copinho de Madeira, e ficámos a conversar na cozinha enquanto eu ia despachando o nosso jantar e mais uma canjinha para servir ao pessoal quando regressassem a casa.

Depois nós fomos ao concerto de fim de ano da Filarmónica, e foi excelente mas agora estou a dizer banalidades. Os nossos peregrinos recusaram-se a aceitar uma chave da nossa casa, pelo que se viram obrigados a andar na noite berlinense até depois das onze. Mas quando chegaram tinham uma canja quente à espera, e vinho alemão, e mais a notícia do jornal que eu lhes traduzi no meio de muita risota.

Ainda aqui estão, e já sinto saudades deste tempo.

dia nacional do microcrédito


(foto daqui)

É fácil, é barato, dá "uma cana de pesca" a milhões: o microcrédito.

Está em curso uma petição com o objectivo de declarar o dia 14 de Dezembro "dia nacional do microcrédito". Não nos custa nada, e permite dar um pouco mais de visibilidade a este programa. Já assinei, claro. É o mínimo que devo fazer por uma iniciativa que ajuda a levar o nosso mundo na direcção da Justiça que eu queria oferecer aos filhos dos meus filhos.


PETIÇÃO

DIA NACIONAL DO MICROCRÉDITO

Sabemos, e a experiência destes 13 anos no-lo ensinou, o quanto o microcrédito pode ser importante para pessoas que queiram mudar o rumo da sua vida, mas a quem não são dadas muitas oportunidades. Temos consciência do quanto é importante a sensibilização de toda a Sociedade e o quanto é relevante o seu envolvimento. Pretendemos que o microcrédito seja cada vez mais uma oportunidade para todas as mulheres e homens que anseiam por ser cidadãs e cidadãos de corpo inteiro a quem não seja negado o direito de participarem na criação de riqueza do seu país, região ou território.

Se estiver de acordo, assine esta petição online:
http://www.peticaopublica.com/?pi=P2011N18328
Subscreva a petição e divulgue-a por todos os seus contatos.

É nosso objetivo ultrapassar as cinco mil assinaturas e inscrever no calendário o Dia Nacional do Microcrédito.
Em nome dos que necessitam apenas de uma oportunidade para mudarem o rumo da sua vida, façamos desta petição um grande movimento em favor do microcrédito.

Muito obrigado.


www.facebook.com/microcreditoANDC
www.microcredito.com.pt
Associação Nacional de Direito ao Crédito
Pessoa Colectiva de Utilidade Pública sem fins lucrativos

Praça José Fontana, 4 - 5º 1050-129 LISBOA | Tel. 21 315 62 00 |808 202 922 | Fax. 21 315 62 02 |microcredito@microcredito.com.pt

PARTICIPE NESTE PROJECTO DE SOLIDARIEDADE: SEJA ASSOCIADO OU PARTICIPE COM DONATIVOS. (NIB: 0033 0000 0023 6701 6320 5 | NIF: 504496140).

e depois do Natal...

Agora que o Natal já acabou é que eu me lembro de pôr aqui a melhor ideia de todas para uma árvore de Natal (encontrada - em tempo útil... - na página de facebook de um amigo). Agora temos um ano para ir pensando nas cores certas das lombadas, e até para ir comprando livros em verde e vermelho, bons tons de Natal. Ou talvez lilás? Lilás e prateado, também dava uma árvore bonita. Ou em laranja e amarelo. Ou só livros de política, ou então biografias: trazer a vida das pessoas para uma árvore de Natal, que simbólico.
Ainda bem que temos um ano inteiro para meditar sobre esta problemática.

29 dezembro 2011

Taizé em Berlim (1)

Eu não queria meter ninguém cá em casa. Já tenho trabalho que chegue, que sejam outros a ter o prazer de receber jovens de todo o mundo, a interculturalidade, etc., que eu de momento sou mais "deixem-me trabalhar". Mas a nossa paróquia insistia, que ainda faltam lugares para seis mil pessoas, e o Joachim insistia, e a Christina insistia. E eu pensei, caramba, por causa de uns pequenos-almoços que não te apetece fazer é que vais deixar essas pessoas ao deus-dará em pavilhões desportivos? E disse que sim, que podíamos receber oito cá em casa.
Uns dias depois perguntaram-nos se estávamos dispostos a ter também a televisão, por causa de uma reportagem sobre uma portuguesa que vinha a este encontro, e que ficaria cá. Pois que não havia problema, pois que podiam vir - e desatei a limpar e a arrumar como se viesse por aí a minha sogra. Que vinha: de facto, isto era uma operação de limpeza dois em um.
A minha sogra chegou, fomos para o Báltico, o Natal chegou e foi, regressámos a Berlim mesmo a tempo de desencantar uma bela jantarada de família, num derradeiro esforço lavei os trinta copos, dei um jeito à cozinha e fui-me deitar, estourada, convencida que no dia seguinte o pessoal de Taizé e a tv e tudo chegariam a meio da tarde, o que me dava tempo para desfazer as malas, arrumar a casa, preparar em frente ao espelho frases inteligentes para dizer em frente à câmara.
Às oito e meia da manhã a Christina veio-me avisar, alarmada, que eles já estavam a caminho da nossa casa. Daí a nada o telefone tocou outra vez, e era um jornal berlinense a perguntar se podia vir também.
Tivemos uma meia horita de stress, mas mal os ouvimos na rua (uma barulheira, só podiam ser oito portugueses!) a coisa começou a melhorar.


Simpáticos, bem-dispostos, abertos, extremamente agradáveis. Sentámo-nos à mesa do pequeno-almoço improvisado, começámos a falar como se fôssemos antigos amigos, até nos esquecemos da câmara que filmava. Depois o Joachim foi entrevistado e disse coisas muito acertadas, depois eu fui entrevistada enquanto o carrapito que fizera a correr se desfazia perante oitenta milhões de alemães (mais ou menos, vá) e é claro que disse coisas muito interessantes mas na reportagem que passou à noite vi que eles escolheram justamente a parte em que eu estava a dizer disparates e o meu penteado entrava em espiral autodestrutiva. Depois os da televisão foram-se embora, e veio a jornalista, que era amorosa e me compreendeu inteiramente, porque o artigo que saiu hoje no jornal começa assim "Na realidade, a Helena Araújo está atrasadíssima com uma tradução, mas..." (e era mesmo o que eu precisava, que todos os berlinenses saibam que eu atrasei uma entrega). Falámos, eu comecei a fazer um almoço (esparguete com molho de tomate, que é a única coisa que se arranja quando nos entram oito pessoas pela casa dentro dez horas antes do esperado), o fotógrafo disparava "Helena Araújo em frente a uma panela com água" "um dos convidados na cozinha a cortar belíssimas lascas de presunto pata negra" "os anfitriões e os convidados de volta de uma panela vazia que alguém escondeu estrategicamente com um prato fazendo de conta que era para servir a comida", a jornalista quase ia ficando também para o almoço, mas acabou por se ir embora porque também tinha prazos para cumprir, e à saída comentou com ar triste que estava muito arrependida por não ter aberto a sua casa a visitantes.
Eu é que não sei se ela teria com os seus tanta sorte como nós estamos a ter com os nossos.

**

Já os inscrevi para a visita à cúpula do Reichstag. Já os levei a ver o memorial do muro na Bernauer Strasse, já percorremos Unter den Linden em passo estugado (ah, gosto destes!) porque eles estavam a ficar atrasados para o encontro ao fim do dia no centro de congressos, e conseguimos até fazer um sprint para ver a rotunda dos deuses da Antiguidade no Altes Museum e o altar do Pérgamo (coisas que se podem ver gratuitamente, esta cidade não cessa de surpreender). Desafiei-os para irem comigo assistir hoje ao ensaio geral do concerto de fim de ano da Filarmónica de Berlim. Os olhos brilhavam-lhes, mas que não, que a essa hora tinham trabalho de grupo. Ah, para que conste que a moral de trabalho dos portugueses é assim!
E agora volto à minha tradução, para que conste, por causa da fama dos portugueses e assim.

Natal na ilha de Rügen

O Natal foi bom, obrigada.
Foi no mar Báltico, a três horas de Berlim. Chegámos à cidade costeira, Stralsund, no dia 24 às três da tarde, e apanhámos um susto: nós a morrer de fome, e tudo já fechado por causa do Natal. Em desespero de causa, já a caminho da McDonald's da estação de caminho-de-ferro, deparámos com uma loja de produtos biológicos que nos serviu uma bela sopinha enquanto o dono ia guardando os produtos e fechando as contas. Cada vez gosto mais deste pessoal alternativo.
 

Seguimos para a ilha de Rügen, mas perdemo-nos um bocadinho, de modo que atravessámos de novo a ponte, de regresso ao continente, e ainda bem, porque nos deparámos com este incrível pôr-do-sol (às quatro da tarde, snif snif):



Rügen é a ilha do mar Báltico com falésias brancas de giz que inspiraram Caspar David Friedrich para o famoso quadro "penhascos de Rügen"...


...e que desbloquearam em Brahms a sua primeira sinfonia, que lhe estava há catorze anos atravancada em doloroso trabalho de parto, particularmente o quarto andamento (pelo menos é a versão que o pessoal da ilha gosta de contar). Podia passar aqui uma gravação com o Karajan, mas - que outra coisa esperavam? - levam este bocadinho com o Simon Rattle:



A ilha estava envolta numa neblina molhada. Impossível fazer fotografias.
Havemos de voltar lá no Outono (deve ser linda, no Outono, com as suas florestas de faias, consideradas pela UNESCO património natural da Humanidade) e talvez me levante bem cedo para apanhar a luz do sol nascente reflectida nas falésias brancas.

 






Falésias que se desmoronam e reinventam, numa paisagem sempre nova. Água de um extraordinário verde, evocando outras latitudes. Árvores cujas raízes se agarram teimosamente ao vazio, em constante luta: de que esperança se alimentarão?

No segundo dia de Natal fomos a Hiddensee, e foi mais forte que eu: entrei no barco a cantarolar "Du hast den Farbfilm vergessen, mein Michael", o refrão de uma paródia de Nina Hagen a um parzinho que se esquece de levar rolo a cores para registar o idílio burguês das férias naquela ilha.
Mas cantei baixinho, para não envergonhar a minha filha, que diz que não me pode levar a lado nenhum.


Nina Hagen Du hast den Farbfilm vergessen - MyVideo

Hiddensee. Há quantos anos sonho com essa ilha, e com as fotografias a cores, e com a Nina Hagen em bikini ou até na praia de nudismo, como ela diz na canção. Mas nada disso: tal como Rügen, a paisagem estava apagada de nevoeiro. Saímos numa aldeia e fomos a pé para outra, onde descobrimos que todos os restaurantes estavam fechados, de modo que entrámos de um salto no barco que estava a zarpar. Havemos de voltar lá, talvez na Primavera, talvez no Outono, e arranjar bicicletas para percorrer a ilha calmamente, descobrir-lhe todos os mistérios.


 

O barco passou perto de um enorme grupo de cisnes que dormitavam na água gelada, misturados com patos. Lembrei a história do patinho feio - é mesmo verdade que existem juntos, e livres, na natureza! E eu a pensar que era liberdade poética do Hans Christian Andersen...
As fotografias não estão boas, mas podem acreditar que todos aqueles pontos brancos são cisnes dorminhocos.



Em Schaprode passeámos pelas ruas adormecidas, parámos para apreciar as formações de musgo nos telhados de colmo, maravilhámo-nos com o encanto discreto da arquitectura atemporal. E encontrámos um restaurante muito acolhedor, que rapidamente nos fez esquecer a frustração da caminhada cinzenta por Hiddensee.











Tal como no hotel, também neste restaurante ficámos muito agradavelmente surpreendidos com a simpatia e o profissionalismo dos empregados. Sem perder a naturalidade que lhes conheço e me fascina desde que vivi numa cidade da antiga RDA, descobri que estão a conquistar um excelente patamar de qualidade. Longe vão os tempos em que diziam aos clientes "tem de esperar" ou "procure ali, talvez encontre naquela prateleira ao fundo".

O nosso hotel era um palacete "renascentista" de fins do século XIX, com decoração interior feita por Henry van de Velde. Durante o período comunista, o palacete - tal como muitos do seu género - foi usado como lar de terceira idade, depois como hospital. Todo o seu recheio foi levado, sabe-se lá por quem. Após a queda do muro foi vendido, e - tal como muitos do seu género - transformado em hotel paradisíaco, entre um lago e um parque. Os seus novos donos tentaram recuperar o mais possível dos adornos originais, e deram-lhe mais de quatrocentos quadros com motivos da ilha.
Hotéis como este, em antigos palácios e palacetes, existem às centenas na região a norte de Berlim e até à costa, concorrendo entre eles para conseguir clientela, o que muito jeito nos dá, porque baixam os preços, ou melhoram a qualidade da oferta, ou ambos. Se o Milton Friedman visse, até babava. Até dizia: "eu não disse?! eu não disse?!"
E mais babaria se ouvisse o que a directora do hotel nos contou durante a visita guiada: que não consegue arranjar pessoal para fazer os trabalhos mais indiferenciados, porque o Estado paga melhor. Melhor dizendo, a Segurança Social, que assegura as despesas básicas e até um nível de vida relativamente aceitável, sem ser necessário as pessoas levantarem-se cedo, deslocarem-se para o local de trabalho, cumprirem horários, etc.
Já ouvi isso de outras pessoas. Parece que uma ideia óptima (uma sociedade solidária, que não deixa ninguém cair numa existência miserável) está a ser pervertida por alguns, e que estes são em número cada vez maior, o que vai acabar por dar cabo da ideia original, que era excelente. De onde se prova (digam isso ao Milton Friedman) que o egoísmo individual muitas vezes não conduz a uma sociedade melhor. Muito pelo contrário.

(foto daqui)

   

No dia 27 regressámos a Berlim, mesmo a tempo de preparar em meia hora uma jantarada de Natal para alguns primos. Nada de muito difícil, porque o realmente importante é estar com as pessoas, e não à volta de uma mesa a rebentar de comida.
Além disso tínhamos um belo salmão fumado que a minha sogra encomendara na Noruega, pelo que o trabalho mais importante era apenas cortar o bicho em fatias lindas, exibindo os veios como uma obra de arte. Na próxima encarnação tentarei uma carreira como cozinheiro japonês. Nesta, ainda estou muito longe disso. A cerca de um milímetro da perfeição: um longo caminho a percorrer.

e que tens andado a fazer, Heleninha?

Muita coisa - tanta, que nem tenho tempo para contar.
Já lá irei, mas para já deixo aqui a canção que acordou hoje dentro de mim.

Bom dia!


24 dezembro 2011

e porque amanhã é Natal (3)

Em jeito de choque vitamínico para a Esperança:



Menina , amanhã de manhã
Quando a gente acordar quero te dizer
Que a felicidade vai desabar sobre os homens
Vai, desabar sobre os homens
Vai, desabar sobre os homens

Na hora ninguém escapa
De baixo da cama ninguém se esconde
A felicidade vai desabar sobre os homens
Vai, desabar sobre os homens
Vai, desabar sobre os homens


***
Ah, quanto eu queria acreditar que podia mesmo ser assim.
Mas não haverá milagres, excepto os que soubermos fazer nascer das nossas mãos.

A todos os que passam por aqui: que nestes dias a felicidade vos visite tranquilamente.
Feliz Natal!

um relato sobre o nascimento de Jesus

Do livro "Dio ci ha creato gratis", redacções de crianças napolitanas recolhidas por Marcello D'Orta:

O Menino Jesus nasceu numa gruta de Belém e não numa casa ou numa clínica porque nenhum dono de hospedaria na Palestina lhe queria alugar um quarto para nascer.
Se soubessem que era Jesus, tinham-lhe dado o Reggia Palas Hotel em pessoa.
O Menino Jesus nasceu na noite de Natal à meia-noite em ponto, a sua mãe era a Madonnina, o pai era o São José. O São José era carpinteiro, como o meu pai, nós chamamos-lhe marceneiro.
Mal o Menino Jesus nasceu, espalhou-se a notícia por todos os lados, e os pastores, as lavadeiras e os toureiros vieram para o adorar.
Todas as pessoas foram ter com o Menino Jesus, só o Benino* não, porque queria ser muito moderno.
Os três reis magos, que seguiam o cometa em camelos com bossas, também foram.
Jesus continuou sempre tão bom como quando nasceu, nunca ficou mau.
Eu queria que Jesus não tivesse morrido nunca. Se tivesse estado lá, dava um golpe de karaté ao Pôncio Pilatos.


* Benino é uma figura clássica dos presépios napolitanos. É representado sempre a dormir, para exprimir a indiferença perante o grande acontecimento.

23 dezembro 2011

na internet nada se perde...

...e muito se transforma - às vezes até para melhor.

O texto que levei emprestado da Sophia para fazer este post inspirou um poema de um Calendário de Advento. Dá vontade de ficar por lá a ler tudo. É um sítio bonito para respirar fundo no meio dos nossos afazeres natalícios.

Trago o poema para aqui:

Poema de Natal

Imaginas um outro cântico a Isabel,
exultando o que há de imperfeito em ti,
demorando-se as palavras em tudo
aquilo que ainda não se cumpriu e que
se estende para além do teu braço
que alguém dispersou em música.
Imaginas um outro cântico mas
regressas às mesmas palavras de um deus
tão antigo quanto novo que a voz velha,
cansada e trémula de Joana esqueceu,
ao fundo da cozinha:
ele encheu de bens os famintos e despediu
os ricos de mãos vazias.

Dezembro de 2011

[Sandra Costa]

e porque amanhã é Natal (2)

Derramai, ó Céus, o vosso orvalho, e que as nuvens chovam o Justo.





e porque amanhã é Natal (1)

"Então através do bater da chuva e do rolar da tempestade ergueu-se do fundo da cozinha, velha, cansada e trémula a voz da Joana:

   A minha alma engrandece ao Senhor.
      O meu espírito alegra-se em extremo
em Deus meu Salvador.


   Pois ele pôs os olhos na baixeza da sua escrava e de hoje em diante todas as gerações me chamarão de bem-aventurada.
   
   Porque me fez grandes coisas o que é poderoso;
e santo é o Seu Nome;


   E a sua misericórdia se estende de geração em geração sobre os que O temem.


De súbito a Joana calou-se.
- Acabou? - perguntou a Gertrudes.
- Não, não acabou; mas estou velha, esqueci o resto.
Porém, do outro canto da cozinha, a voz do homem sentado à mesa dos pobres ergueu-se e continuou:

   Ele manifestou o poder do seu braço e dissipou os que nos fundo do seu coração formavam altivos pensamentos.
   Depôs do trono os poderosos e elevou os humildes.

   Encheu de bens os que tinham fome e despediu vazios os que eram ricos."


Sophia de Mello Breyner, Contos Exemplares

***
Traduções, traduções...
Bem me apeteceu mudar algumas frases do Magnificat. Por exemplo, escrever assim: "Pois ele pôs os olhos na humildade da sua serva" ou "Encheu de bens os famintos e despediu os ricos de mãos vazias".

-- E despediu os ricos de mãos vazias.
Está escrito, há dois mil anos que é esta a mensagem. 

um apurado sentido de oportunidade...

Recebi um postal de boas festas de um Banco que dizia:

2012 vai ser o nosso ano!

querido Pai Natal (25)

Querido Pai Natal,

lamento que mais ninguém acredite que tu existes e, para ser franca, nem eu. A tua funcionária dos correios disse-me que estás cada vez mais gordo e comes muitos bifes, e eu aconselho-te a ter cuidado, porque ainda podes apanhar tolesterol e diabetes. Eu queria muito que o papá ficasse em casa e ganhasse dinheiro sem trabalhar, para estar sempre perto de mim.
Perguntas para o Menino Jesus, mas deve ser ele a responder. O que fazes durante o dia? Menino Jesus, já fico satisfeita com um caderno, ou até com alguma coisa mais pequena. Jesus, queria muito que quando nasceres as pessoas que não te conhecem passem a conhecer-te, e as que te conhecem passem a conhecer-te ainda melhor.
Vou-te rezar, mas às vezes esqueço-me de algumas frases. À noite sonho que me vou tornar santa. Este ano tentarei ser mais bem comportada, porque nasceram pessoas queridas e morreram pessoas queridas. Hoje houve dois enterros, de uma tia-avó minha e de um avô de um amigo meu. Espero que não morra nenhuma pessoa de quem tu gostes, porque se morrer sei bem o que vais sentir, escreve-me, podes ter a certeza que te respondo.

Josphine - Recanati (Ancona)

***

Termina aqui a série "querido Pai Natal" - cartas de crianças italianas ao Pai Natal (e ao Menino Jesus e à Befana), recolhidas por Federica Lamberti Zanardi e Brunella Schisa.

22 dezembro 2011

Schroeder

Não é Beethoven, mas...

querido Pai Natal (24)

[ Nota prévia: tenho hesitado bastante em traduzir esta carta, porque é de uma insuportável tristeza. Mas decidi fazê-lo hoje, depois da mensagem do facebook em que o nosso Senhor Presidente da República faz votos de que os portugueses tenham umas Boas Festas. ]

Querido Pai Natal,

Sou um menino de dez anos e muito pobre. Todos os anos, debaixo do pinheirinho de Natal que já está muito velho e torto, encontro apenas um recado onde se lê: "os melhores votos de Boas Festas". Fico muito feliz, e acredito que são mesmo os melhores votos.
Depois, quando a escola começa, os meus colegas perguntam todos contentes, o que é que o Pai Natal te trouxe? Eu respondo: "os melhores votos de Boas Festas". Eles desatam a rir e gozam-me por ser pobre. Eu não me importo, porque tenho maturidade e compreendo que o Natal é a festa do nascimento do Messias e Salvador, e eles disseram que as pessoas não serão julgadas pelos carros e presentes grandes que têm, mas pelo que acreditam dentro do seu coração.
Por isso, querido Pai Natal, digo-te em segredo que acredito realmente em ti, mesmo que os outros se riam de mim, e mesmo se não me dás presentes acredito que disseste aos meus pais para escreverem "os melhores votos de Boas Festas".
Mas só por uma vez, este ano, gostava que me desses um presente a sério; não uma pequena mesa de bilhar, patins do gelo, carros com telecomando etc., mas simplesmente um par de sapatos, ou pelo menos sapatos que não me doam no calcanhar, como os que os meus primos me dão, porque lhes estão pequenos e eles não sabem o que fazer com eles. Gostava de ter sapatos de desporto, para poder jogar futebol com os meus amigos, em tamanho 40 e não 38 como os que os meus tios me dão. Tenho a maior esperança que este ano, além dos melhores votos de Boas Festas, também estejam lá os sapatos.
Obrigado, e os melhores votos de Boas Festas.

Fabio - Fossombrone (Pesaro)

21 dezembro 2011

"Em meu nome e no da minha Mulher, faço votos para que todos os Portugueses tenham umas Boas Festas"

"Esta é uma quadra de paz e de esperança."
 Isto é wishful thinking, só pode ser.

E depois, o papel dele não é fazer votos, é fazer vetos.


(sim, também encontrei o que se segue no facebook)


Em meu nome e no da minha Mulher, faço votos para que todos os Portugueses tenham umas Boas Festas, junto daqueles que lhes são mais queridos.
Esta é uma quadra de paz e de esperança. São esses os valores que nos devem animar a todos, no novo ano que se aproxima.
Aos que acompanham esta página, que sigo com o maior interesse e a quem calorosamente agradeço, desejo um Bom Natal e um Feliz Ano Novo.

parole parole parole

Um exemplo impressionante de inteligência e criatividade:



Dá vontade de começar a imaginar também palavras para brincar assim. Se chover, já sei o que faço nas férias de Natal.

(roubado do facebook, claro, que é um sítio mais cheio de carruagens carregadas de ouro que a floresta de Nottingham)

when I'm sixty four...

No blogue [a barriga de um arquitecto] encontro um vídeo do Fernando Guerra que é simplesmente um prazer.

Siza vai cantarolando "when I'm sixty four" enquanto trabalha num projecto:


Siza sings | Film by Fernando Guerra from últimas reportagens on Vimeo.


O site do Fernando Guerra também é muito bom, mas aviso já: não tem saída. Uma vez andei lá, mais ou menos por aqui, entrei no Museu Mimesis e foi um sarilho para conseguir vir-me embora.

margem de certa maneira

Lembro-me bem de uma tarde passada em casa de uma amiga, teríamos ambas nove ou dez anos, e era antes do vinte e cinco de Abril. Ela mostrou-me um disco cheio de canções lindíssimas, e disse-me com ar sério que era proibido em Portugal. Nenhuma de nós percebia porquê - pois se tinha canções tão boas!
Nesse dia voltei para casa a cantarolar "chamava-se ela Marta ele senhor dom Gaspar" e "caminhando por terras de França".

Caminhando por terras de França.
Em 1961 o meu pai organizou uma excursão a Lourdes, para jovens agricultores. Dois deles aproveitaram estar do lado de lá, e ficaram. O meu pai ia sendo preso por ter sido cúmplice (achavam eles) de dois portugueses que queriam emigrar.

Hoje em dia, é o próprio governo que vê a necessidade da emigração e ajuda os portugueses a sair do país.
Os tempos mudaram. Muito, imenso. Mas começo-me a perguntar se aquela teoria de os extremos se tocarem não será mesmo verdade. Entre estes dois extremos, um mesmo povo violentado e traído pelos seus governantes.

querido Pai Natal (23)

Querido Pai Natal,

chamo-me Bonaria, tenho seis anos, sou da Sardenha, a minha aldeia chama-se Macomer e comecei agora a aprender a escrever. Querido Pai Natal, traz-me uma espingarda para dar um tiro à professora. A mamã diz que tu não existes, mas eu não acredito nisso. Se me mandares a espingarda, podia dizer-lhe que tu existes mesmo e quando ela a vir vai acreditar. E depois não me tragas carvão, porque a mamã bate-me e eu tenho medo.
Este ano portei-me bem, no ano passado disse uma mentira mas tu mandaste-me um presente na mesma. Agora despeço-me, por favor manda-me o presente (e se também quiseres mandar uma espingarda à mamã, acho que lhe agradaria).
A tua Bonaria


Bonaria -  Macomer (Nuoro)

um presentinho de Natal...


(encontrado no facebook - a estas horas já deve ser viral)

20 dezembro 2011

concerto hoje à noite na Igreja do Menino Deus, em Lisboa


Magnificat em Talha Dourada, de Eurico Carrapatoso. Entrada gratuita.

Se todos os cantores forem como a que eu conheço e vai cantar, seria motivo para eu própria parar tudo e ir ouvir. Se todas as peças forem como a que se segue, idem idem.
Nesta semana sufocada pelo entulho de Natal e pelas angústias da crise, é uma boa oportunidade para parar, e encher o peito de tranquilidade.

como se a minha lista de "to do" não fosse já enorme...

Acabei de lhe acrescentar estes pontos:
- fazer camas para oito pessoas
- arrumar e limpar a casa toda impecavelmente
- arrumar e limpar a casa das bonecas impecavelmente, que está num estado pós-tsunami por causa de um miúdo de dois anos que passou cá uns dias no Verão
- ir comprar uma roupinha nova (hehehe)
- ir ao cabeleireiro (hehehe)
- perguntar aos amigos o que é que acham que devo dizer quando me perguntarem isto e aquilo
- treinar ao espelho caras de surpresa, e de simpática, e assim

Por causa do encontro de Taizé, no fim do ano Berlim vai ser invadida por miúdos do mundo inteiro, e ainda falta alojamento para 6.000. Enchemo-nos de pena, e dissemos que recebíamos aqui oito. Até podiam ser dezasseis, mas não me apetece servir o pequeno-almoço por turnos. Agora telefonaram-me da televisão a perguntar se podem vir cá fazer uma reportagem. Heleninha a abrir a porta da rua fazendo cara de "Perdoa-me!". Heleninha a mostrar a casa disfarçando a aflição quando a câmara começar a chegar muito perto do pó. Heleninha a disfarçar a baba quando eles forem ao quarto do Matthias, onde mais de metade do pessoal vai dormir, e filmarem o dispositivo que o rapaz inventou, com peças de Lego, para apagar a luz sem ter de se levantar da cama. Por falar nisso, mais uma linha para a to do: ir aprender como é que aquilo funciona, para não ficar mal em frente à câmara de televisão. 

E depois, com a quantidade de coincidências engraçadas que acontecem na minha vida, às tantas ainda me saem jovens portugueses filhos dos meus amigos. Heleninha a fazer cara de "pssst, vamos fazer de conta que não nos conhecemos", e a falar inglês com eles.

querido Pai Natal (22)

Querido Pai Natal,

aqui na aldeia Giugliano somos todos muito maus e fazemos crimes. A Polícia vem muitas vezes e dá tiros, também salvas. Uns escondem-se e outros morrem, como calha. Para o Natal, tira daqui os drogados e os que dizem coisas más a mim e à minha irmã no caminho da escola. Para o Natal, arranja de limpar as ruas da aldeia, que nem tem ruas nem nada. Para o Natal, quero um televisor pequenino para o meu quarto.
Querido Pai Natal, és o único de quem gosto, mas de recompensa leva-me para uma cidade grande como Salerno ou Casoria, onde vivem os primos, menos o Francesco, que morreu porque o cão com a trela o puxou para debaixo de um carro que estava a passar e não travou. Não me tragas um cão que me puxe para debaixo de um carro. Os melhores votos de boas festas para a tua família, do Tonino Tatunno

Tonino - Giugliano (Nápoles)

19 dezembro 2011

momentos de um 2011 (3)

A meio do trabalho de escolher algumas entre milhares de fotografias, dou uma gargalhada.
É impressionante como os meus filhos conseguem manter a boa-disposição mesmo depois de várias horas de carro e outras tantas de museus.
Estas fotografias foram feitas na Holanda, no parque do museu Kröller-Müller.



querido Pai Natal (21)

Querido Pai Natal, eu chamo-me Maria e fui abandonada pelo meu pai, que agora mora em Milão e vive com outra senhora. Eu vivo com a minha mãe, tenho dez anos, ando no 5º ano; não tenho casa, por isso moro com a minha irmã, que não é bem a minha irmã, porque é filha de outro homem, que depois abandonou a minha mãe, e também ela (a minha irmã) foi abandonada. Agora tem 21 anos, uma bebé, e um homem que é muito querido com ela e também comigo e com a minha mãe. Nós rezamos sempre para que ele não nos abandone.
Querido Pai Natal, sei que não podes responder a todos, mas quando leres esta carta talvez percebas como é a vida estragada que eu tenho. Sei, querido Pai Natal, que trabalhas muito e te esforças muito, acredito em ti...
Querido Pai Natal, eu tenho um carácter um bocadinho generoso. Ontem era o meu aniversário, e ofereci bolos a todos, até aos da outra turma...
Feliz Natal.

Maria - Abbiategrasso (Milão)

Václav Hável

Em jeito de homenagem, uma anedota que se contava na Checoslováquia e podia ter sido inventada por Hável:

- O que é o comunismo?
- A vitória do pensamento sobre a razão.

O Rui Bebiano explica melhor.

18 dezembro 2011

Matthias em San Francisco


Relatório recebido da amiga em casa de quem o Matthias está a passar estes dias:
"We just went for a run in the Golden Gate Park, to the view tower at the de Young museum, and then out to breakfast, and I had a great time. Now we're going to circus show, home for crab dinner, and then to Schutz concert in the evening. A busy and fun day!"

Respondi-lhe que vou imediatamente comprar passagens de avião para nós os três. Vontade não me falta!

Adenda: respondeu-me que nos vão buscar ao aeroporto. Ai! Agarrem-me, que...

(foto daqui)

querido Pai Natal (20)

Senhor Pai Natal,

gosto muito mais do Verão que do Inverno, porque há o mar e o calor e a escola está fechada. Mas no Verão não há Natal, quando de repente todos ficam felizes e ninguém mata ninguém e abraçam-se e beijam-se e dão-se presentes e ninguém diz palavrões e largam os foguetes! Obrigado, Pai Natal, sois vós quem traz a felicidade.
O meu pai diz que aqui na aldeia todos são criminosos, até as árvores, e a Polícia não faz caso do nosso medo. Mas no Natal todos tocam os sinos e a esta porcaria chega o vosso precioso trenó com as renas, e vós trazeis justiça e presentes para mim e para o Giovanni, que nunca recebemos nada de ninguém.
Esqueci-me de me apresentar, sou um rapaz chamado Totonno e vou de manhã à 2b da escola primária e tenho sete anos e meio. Penso que já percebeste porque é que te estou a escrever (por causa dos presentes de Natal). A minha irmã está aqui ao meu lado, tem cinco anos e já está a ficar muito espevitada.
Vós tendes um grande coração, e só vos quero dizer uma coisa, queria receber estes presentes: carro de corridas com telecomando, uma televisão com a guerra das estrelas e o carro do lixo e um ursinho de beluche.
Para os meus pais quero que fiquem em casa em vez de irem trabalhar, porque passam pouco tempo em casa.
E para a minha irmã Nunziatina as cassetes da Madonna, a máquina de fazer gelados e a Sbrodolina (boneca que faz bolinhas com a boca). Se forem demasiados presentes, podeis tirar sem problemas dois à Nunziatina. Em troca, prometo que não faço maldades ao meu hamster Gennaro.
E se não puderdes trazer tudo, podeis pedir à Befana que me traga ela essas coisas. Para mim tanto faz, se vem da vossa parte, ou da dela. É que ela só traz tangerinas, e isso não é um presente, é rir-se de mim. Conheceis bem a minha casa, é aquela onde no rés-do-chão há terra sem ladrilhos ou cimento, e se sente o mau cheiro do canal.
Estou muito feliz por ter escrito a uma personalidade como vós.
Desejo-vos tudo de bom, do Totonno.

Antonio - Marcianise (Neapel)

17 dezembro 2011

querido Pai Natal (19)

A este querido
Pai Natal
Rua do Natal nº 0

Querido Pai Natal,

Este ano gostava de ter um vestido com casaco e uns sapatos tamanho 36-37 com lacinho, mas se não puderem ter lacinho não faz mal. Também queria que me telefonasses, este é o nº da mamã: 332142, e o do papá: 235476, e o da avó Rita: 850987.
Se não estiver na casa de um, estou na do outro, e se não estiver em lado nenhum podes tentar mais tarde ou deixar uma mensagem no atendedor automático. Se me telefonares, podes-me trazer o que te apetecer, ou até nada, e se me trouxeres o que te pedi não precisas de me telefonar.

Muitos beijos e beijos grandes da Barbara.

PS: se não me puderes telefonar, manda-me um fax.

Barbara - Fano (Pesaro)

16 dezembro 2011

indignez-vous!

Nós, os abaixo fotografados santons do mestre Canut, e nenhum menor que o meilleur santonnier de France (lui-même), aqui vimos em desfile manifestar o nosso desagrado pela decisão de um júri que nem deve saber distinguir um camelo de um dromedário, quanto mais identificar a excelente qualidade alemã e - mais que tudo - a voz do dono! Neste momento de profunda consternação e altíssima perplexidade unimo-nos à causa da nossa vizinha Alemanha. A incompreensível decisão do júri, de altíssimo teor indignatório, suscita um protesto sem tréguas. Unidos venceremos, e a nossa indignação ecoará por todos os presépios da Europa, e os burros farão ouvir a sua voz mais alto que todos os outros.

O cortejo dirige-se agora à Barbearia do Senhor Luís - outrora estabelecimento de renome - onde nos encontraremos com companheiros de luta provenientes de presépios da Floresta Negra e da Suábia. Fomos informados que os pássaros de vidro de Praga já sobrevoam os céus europeus, e até da Polónia nos chegam vozes de uma ou outra Madonna igualmente indignada. Os homens do cachimbo do Harz foram impedidos de entrar no avião, mas os quebra-nozes estão a tentar dar-lhes uma mãozinha (melhor dizendo: uma dentadinha aos seguranças dos aeroportos).   



 
 







(e se lhes parecer que estamos demasiado sorridentes na fotografia, pedimos a vossa compreensão para um pequeno percalço que nos aconteceu no doseamento do botox, mas é que a idade não perdoa)

oh, não!!!!

Está a nevar.
Lá vou eu ter de comprar uma pá para ir limpar os dez metros de passeio que me calharam em sorte.

(Rita: grrrrrrrrr!)

a história do camelo que chora

Neste dia em que o destino de quase três dúzias de distintos bloguistas se joga na mais famosa Barbearia portuguesa, quero deixar ao Luís os meus agradecimentos pelos momentos de boa disposição que nos proporcionou, e - como não? - também pelo primeiro prémio que o sapientíssimo e excelsíssimo júri me irá atribuir. Obrigada, obrigada, mas que grande surpresa, ora essa, porque se incomodaram?, etc.

E mesmo que este ano o júri erre como de costume, e não se dê conta da absoluta superioridade dos camelos alemães, aqui deixo um belíssimo filme: para quem quiser saborear com muita calma histórias de outro mundo - um mundo de profundo entendimento entre humanos e camelos.

querido Pai Natal (18)

Querido Pai Natal,

vou apresentar-me: tenho oito anos e chamo-me Erika. Quero-te dizer que gosto muito de ti, mesmo se não existires e por isso peço-te que me dês o teu número de telefone.
Na minha casa há um problema: a minha irmã e eu puxamos muitas vezes os cabelos uma à outra, mas a mamã só me bate a mim. Então eu fico furiosa porque a minha irmã não apanha, e puxo-lhe outra vez os cabelos e a mamã bate-me novamente. Querido Pai Natal, podes fazer com que a Maria perca o cabelo todo?
Também te quero perguntar uma coisa: como são os teus irmãos? Também são Pai Natal? Vocês puxam os cabelos uns aos outros?
Traz-me a tartaruga viva, vou deixar uma bacia cheia de água para ti debaixo do pinheiro de Natal...

Erica - Bari

15 dezembro 2011

Simão Bolívar

Eu sei que devia estar calada, e não dizer nada, que já sei como é: ponho-me a falar, e daqui a nada os bonecos deste rapaz estão espalhados pelos MoMA deste mundo e do outro, a um preço inacessível, e a mim ninguém me dá percentagem (nem a mim, nem ao amigo a quem roubei isto do facebook).

Mas é Natal, tempo de fraternidade e tal, e por isso, ponham aqui os olhinhos:

Neste filme: Simão à mão | P3
E neste blogue: Simão feito à mão

Escrevi-lhe a perguntar quanto é que custa o lagar (não é o meu preferido, mas ia ficar muito bem numa certa Quinta que eu cá sei) e disse-me que era 16 euros mais despesas do correio.

Portanto: belas prendas de Natal, muito originais, e com grandes probabilidades de com o tempo se tornarem peças de colecção.

(Ó Simão: eu só vou poder comprar o lagar no próximo verão. A verdade é que quero ir a uma loja ou feira admirar essas coisas todas, em vez de comprar assim por semi-catálogo. Mas se entretanto a sua obra já andar pelo MoMA e tal, faz-me na mesma o preço que me disse? Sifachavori?)

querido Pai Natal (17)

Querido Jesus,

queria tanto ser avançado do Milão, mas a única coisa que desejo realmente, é que os meus pais não discutam, e que o meu pai deixe de dizer aindatetorçoopescoço à minha mãe e também que eu deixe de dizer o mesmo à minha irmã. Tu tens sorte com Maria e José, que nunca discutem e estão sempre de acordo, quem me dera estar no teu lugar!
Quero-te agradecer por teres salvado o mundo, e na noite de Natal vou à igreja, para te ver no presépio vivo: crianças que fazem de conta que são os negros, outras os chineses, e há pais natais que cantam canções muito bonitas.
Sabes que este ano te vou provar, porque vou fazer a primeira comunhão?

Alberto - Busto Arsizio (Varese)

14 dezembro 2011

ortografias

A propósito da palavra "abysmo" li algures que alguém disse

(ia escrever "não sei quê", que é mesmo o que este encadeamento está a pedir, mas não)

alguém disse que abysmo precisa do y que aponta para o fundo.
Como lágrima só pode ser lágryma.
Também a Sophia disse que dançar se devia escrever com s - porque ç é uma letra sentada.

Desde sempre tive dúvidas sobre como escrever "dançar". Pergunto-me se na Fada Oriana ou noutro dos seus livros para crianças ela terá escrito realmente "dansar", e se isso me terá ficado gravado no mais fundo da memória.
Noutros erros, deito a culpa de mau pagador para o acordo ortográfico. Mas poder usar a Sophia como álibi, ah, é bem mais fino.

como conquistar o homem dos meus sonhos?

Decididamente, a blogosfera é uma fonte de inúmeras surpresas. Esta manhã descobri um workshop de 2 x 2,5 horas para ensinar as mulheres a conquistar o homem dos seus sonhos. É tudo tão inacreditável, que, bom, não dá para acreditar.

Mas, com tudo e por tanto, seria uma boa ideia eu oferecer o mesmo, mas para homens. Afinal de contas, se "o arrumadinho" consegue, porque é que eu não hei-de conseguir?
(por acaso ocorrem-me logo meia dúzia de motivos para eu falhar: desde a noção das minhas limitações até uma certa exigência intelectual, passando pelo respeito pelas pessoas e pelo sentido do ridículo - mas que isso não se interponha entre mim e os, digamos, duzentos eurozitos que queria ganhar em cinco horas de bla bla barato)

Plagiando descaradamente, aqui está a minha proposta de workshop, que será dado por mim (pessoa com imensa experiência nesta área, inclusivamente alguns livros escritos sobre o tema, todos eles leitura obrigatória nas faculdades de Psicologia de todo o mundo) a um grupo de 8 a 10 homens:


Como conquistar a mulher dos meus sonhos? #1
(ou pelo menos como me posso tornar num homem mais interessante)

Módulo 1
LEVANTAMENTO DO PROBLEMA

1. O que é que tenho feito de errado?
O que é que leva uma mulher a abandonar um homem, ou a não querer assumir uma relação com ele? E quando assume, por que é que as coisas não resultam? Onde é que estamos a falhar? Espaço de discussão sobre relações falhadas, partilha de experiências.
(Pede-se que sejam muito breves, não gastem mais do que cinco minutos para contar os detalhes de todas as cinco relações falhadas; lembrem-se que os outros nove participantes também querem falar, e este módulo só tem 150 minutos)

2. Afinal, o problema sou eu ou têm sido todas elas?
O que se passa na cabeça das mulheres quando conhecem um homem? O que é que elas verdadeiramente pretendem? Como é que percebo se elas estão numa de assumir um compromisso sério ou se querem apenas sexo? Sou eu que não as entendo ou são elas que não me entendem?
(preparem-se para revelações fantásticas, mas muito sucintas, sobre o que eu penso que se passa na cabeça de todas as outras mulheres)

Módulo 2
RESOLUÇÃO DO PROBLEMA

3. Como me posso tornar num homem mais interessante?
Ando a vestir as roupas erradas? A abusar do gel no cabelo? Fico melhor de sapatos de pele ou ténis? Devia investir mais em pólos Ralf Lauren cor-de-rosa? Ando a ler os livros errados? A ver os filmes que não devo? Devo deixar de escrever no Facebook que adoro A Bola? Como é que posso continuar a ser eu mesmo mas tornar-me mais interessante para uma mulher?
(e também: devo mesmo deixar de ler A Bola, ou posso fazê-lo às escondidas?)

4. O que é que uma mulher quer num homem para ele ser “o tal”?
Temos de ser lindos? Elegantes? Musculosos? Ter instinto paternal? Inteligentes? Família rica? Afinal, o que é que uma mulher valoriza mais num homem, e que pode fazer com que ele se torne na pessoa certa?
(também disponibilizo o nome de famílias ricas e até nobres que estejam dispostas a adoptar maiores de 18 anos)

Módulo 3
ACOMPANHAMENTO INDIVIDUAL
Durante três meses, todos os participantes do workshop podem pôr-me dúvidas por mail, pedir conselhos, dicas, sugestões, para questões ligadas a relacionamentos. No final, não entrego diplomas de participação, mas posso disponibilizar os vossos nomes e nºs de telemóvel a psicoterapeutas que estejam dispostos a aceitar o desafio de um moroso trabalho para vos curar as feridas que este workshop disparatado abriu ou aprofundou.


***

- E porque perdes tu tempo com isto, Heleninha?
- Não sei. De facto, não sei.
Talvez por estar chocada com este fenómeno. Como é possível que a vaidade e a mais profunda vacuidade ("profunda vacuidade", hehehe) tenham tanto sucesso no nosso mundo? O que levará pessoas a pagar quarenta euros para participar num disparate destes?
Voltem, adolescentes que não sabem quem pintou a Capela Sistina e qual é a fórmula química da água: estão a ser desavergonhadamente ultrapassados, a estonteante velocidade e pela direita!

querido Pai Natal (16)

Senhor Pai Natal, quem vos fala é a Rosina.

Tendes que me realizar um desejo. A minha irmã Nunziatina é melhor que eu na escola, eu quero tornar-me muito boa, porque a minha irmã teve tantos muito bons.
Também os quero ter, como a minha irmã Nunziatina, assim ao menos ela não se pode armar tanto.
Se tiverdes dificuldades, Pai Natal, dizei-o a nós, os miúdos, e se precisardes de mim o meu número de telefone é o 548703.
Eu queria muito um microfone de espiões, para ouvir o que o papá e a mamã dizem quando discutem, que se querem divorciar, um casaco de peles para ir passear, uma saia bonita para os domingos com uma camisola e alguns filmes sobre aventuras antigas da pré-história, como quando o papá era pequeno e brincava com o brontossauro.

P.S. Se puderdes, fazei com que os mafiosos se matem a tiro uns aos outros, assim morrem todos.

Rosina - Avellino

13 dezembro 2011

se não têm pão, Senhor Barbeiro...

Se não têm pão, dá-se um jeito para que um camelo do Azerbaijão leve a Portugal bolas de Berlim.

Tenho a certeza que com esta prova de tanta solidariedade internacional nem vale a pena às outras pessoas concorrerem ao concurso camelos de presépio. Já está no papo.
(Obrigada, obrigada, que grande surpresa! Não estava nada a contar! Não sendo merecido, aceito, honrada, a decisão do generoso e clarividente júri.)



(Contudo, há que avisar que o recheio destas bolas de Berlim amarga um pouco. É de compota, e pelos vistos (pela que provei) trata-se de compota sem açúcar. Para prevenir talvez a diabetes? Nunca se sabe: com as taxas moderadoras que por aí vêm, mais vale não correr riscos nenhuns. Pela sua saudinha.)